Olá amigos, hoje temos aqui um assunto que interessa demais a todos os cantores, o tal do refluxo...
Mas para falar sobre doença, nada melhor que alguém da medicina, e pra essa função eu convidei a super Dra. Marcia Murao, otorrino que adora trabalhar e pesquisar com cantores e que faz parta da família da Maratona Vocal.
Vamos ao texto que ela preparou, aproveitem!!
Eu com a Dra. Marcia Murao durante o 1º Simpósio do Ambulatório de Artes Vocais da Santa Casa de São Paulo, onde tive o prazer de ser convidado para palestrar sobre as distorções vocais no canto |
Dra Marcia Murao
Otorrinolaringologista
CRM 80193
RQE 35299
Doutora em Otorrinlaringologia pela FMUSP
Professora da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Taubaté- SP
1- O que é refluxo laringofaringeo?
Você já deve ter tido azia pelo menos uma vez na vida, certo? Então você teve refluxo. É que, às vezes, esse conteúdo ácido, consegue atingir a via respiratória alta, e consequentemente, a laringe. Nesse caso, você pode ter a sensação de que tem algo parado na garganta, rouquidão, tosse seca, pigarro, engasgos repentinos, dificuldade de engolir alimentos, asma de difícil controle, azia ou má digestão.
2- Doença epidêmica
Por que hoje em dia é tão comum você sair de um consultório médico com diagnóstico de refluxo? Desde a década de 70, a doença se tornou epidêmica, principalmente em jovens entre 20 e 30 anos de idade. Segundo o autor El-Serag (2007), a prevalência de doenças do refluxo (Refluxo gastroesofágico-GERD e laringofaringeo) aumentou 4% a cada ano desde 1976.
Fonte:El-Serag HB, Sweet S, Winchester CC, Dent J. Update on the epidemiology of gastro-oesophageal reflux disease: a systematic review. Gut. 2014 June
Durante esse período, a incidência do adenocarcinoma de esôfago aumentou 850%, e a maioria dos tratamentos, infelizmente, foi sem eficácia!
3- O que ocorre na laringe? Cantores, isso é muito importante para vocês!
Estima-se que o refluxo laringofaringeo esteja presente em mais de 50% dos pacientes com disfonia!
As barreiras fisiológicas ao refluxo incluem o esfíncter inferior do esôfago, o clearance esofágico influenciado pelo peristaltismo esofágico (movimento de descida para levar o alimento para baixo, claro), a saliva, a gravidade e o esfíncter superior do esôfago. Quando essas barreiras falham, o conteúdo do estômago entra em contato com a mucosa laringofaringea, causando danos ao epitélio, como disfunção ciliar, inflamação e alteração da sensibilidade.
O pH da faringe é neutro (pH 7), enquanto os ácidos do estômago variam em pH de 1,5 a 2. O dano à faringe é o resultado de um declínio no pH e exposição a componentes de refluxo, como pepsina, sais biliares e enzimas pancreáticas. No esôfago, 50 episódios de refluxo por dia são considerados normais, enquanto na laringe três episódios já podem causar danos. No entanto, o efeito dos ácidos na laringe não está definido e alguns estudos sugerem que a combinação de ácido e pepsina (não ácido, mas ativada por ele) é necessária para causar lesão. Resumindo, o conteúdo que volta do estômago, tem componentes ácidos e não ácidos (pepsina) e ambos podem causar lesão na laringe (pepsina é ativada por ácido!). A injúria pela pepsina, está bem comprovada pela biologia celular. Estudos mostraram que a pepsina permanece dentro das células da mucosa laringea por pelo menos 12h e, portanto, pode ser “reativada” através de outro refluxo ou ingestão de alimentos ácidos! Aí começa o problema! Se você tomar inibidores da produção de ácidos (omeprazol, esomeprazol, pantoprazol, etc) resolverá o problema? Não! Vc diminuirá a acidez, mas e a pepsina que vem do refluxo não ácido, permanece na célula por no mínimo 12h e ainda pode ser reativada por dieta ácida. E como você acha que dá para digerir alimentos com pouco ou nenhum ácido? A resposta é simples, não dá. Confuso não!
4- Diagnóstico
Os sintomas do refluxo laringofaringeo são inespecíficos e comuns em outras doenças! Ainda não se tem um exame “padrão ouro” para diagnosticá-lo. Aí entra a experiência do médico otorrinolaringologista, caso contrário, todos sairão com uma receita de inibidor de ácidos e pior, sem melhora e com efeitos colaterais da droga a longo prazo, incluindo demência!
Para você ter uma ideia da complexidade do diagnóstico, alterações compatíveis com refluxo no exame da videolaringoscopia de pacientes com sintomas, estão presentes em 86% dos pacientes controle, ou seja, que não têm sintomas!
Um terço dos pacientes com disfonia e sintomas de refluxo, na verdade têm disfonia por tensão muscular.
Pacientes com atrofia de prega vocal e com refluxo, apresentam o mesmo sintoma: pigarro.
Carroll et al in process, observou que 69% dos pacientes sem disfonia, mas com queixa sutil compatível com refluxo, tinham na verdade, patologia das pregas vocais. Por esse motivo a videoestrobolaringoscopia, está justificada em pacientes SEM disfonia, mas com sintomas de refluxo e nos casos em que, apesar do tratamento para refluxo, os pacientes não apresentaram melhora.
5- E dieta???
Jamie Kaufman estuda refluxo laringofaringeo há mais de 30 anos! Atualmente, fala muito sobre dieta alcalina para inativar a pepsina na mucosa laringea e assim, interromper o ciclo vicioso. Na minha opinião é a solução! Com a modernidade, vieram alimentos industrializados, que para durar mais, precisam ser ácidos e ácidos foram adicionados! A acidez conserva, pois inibe a proliferação bacteriana e preserva a cor dos alimentos (antioxidante). Já teve a curiosidade de ler os rótulos dos produtos que você ingere?
Apesar de médica, sempre fui contra a prescrição desmedida de remédios (claro que em algumas situações, ele salva vidas!). Um artigo dinamarquês muito interessante de Jensen et al, 2014 chegou a seguinte conclusão:
“Não foram observados efeitos protetores dos inibidores da bomba de protons (IBP) em relação ao câncer de esôfago. De fato, a alta aderência e o uso prolongado de IBPs foram associados a um aumento significativo do risco de câncer ”. Em outras palavras, Kaufman afirma que os IBPs NÃO são o tratamento primário para a doença do refluxo e não previnem o câncer de esôfago. Os IBPs não param a progressão da doença. Nada substitui modificações dietéticas e de estilo de vida.
Referências:
AAO-HNSF Annual Meeting & OTO Experience, Chicago 2017, presencial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário