Alerta de Spoiler: Os protocolos de segurança não são efetivos para cantar e dar aula de canto.
Se você acha que tá tudo bem cantar e dar aulas de canto presencialmente desde que use acrílico, máscaras, face shield e distâncias de segurança, esse artigo vai mostrar que essas medidas não funcionam para impedir o contágio.
O artigo se chama Sources of Aerosol Dispersion During Singing and Potential Safety Procedures for Singers e está disponível no site do Journal of Voice. Ele investigou as fontes de dispersão de partículas durante o canto seguindo os protocolos de segurança.
Como esse estudo foi feito?
Cantores de um coro profissional de Baviera inalaram uma substância de cigarro eletrônico para que, ao cantar, a trajetória das partículas pudesse ser rastreada. Os cantores cantaram em diferentes posições de cabeça, com diferentes textos e articulação, usaram máscaras diferentes, face shield e acrílico.
Esse estudo foi de extrema importância pois, apesar de severas recomendações de pesquisadores desde o início da pandemia, a migração para aula de canto online não foi tão respeitada assim.
Esse estudo saiu essa semana, mas não estivemos mal informados. Foi dito em Julho de 2020, pela NATS, “There is no safe way for singers to rehearse together until there is a COVID-19 vaccine and a 95% effective treatment in place.”.
Foi alertado também pelo CDC - Centers for Disease Control and Prevention: "Singers Could Be Virus Super-Spreaders".
Além disso, versões preliminares desse estudo que estamos vendo hoje já estavam disponíveis desde o ano passado.
Mesmo assim, sabemos o quanto os professores de canto foram pressionados por diversas escolas no Brasil para se arriscassem dando aulas presenciais, mesmo em meio a um número que indicava milhares de novas mortes por dia, em eterna crescente (tudo isso sem um aumento nos pagamentos, sem seguro de vida, sem transporte privado bancado pelas empresas responsáveis pra proteger seus funcionários e suas famílias). A situação dos professores de canto já não era fácil antes da pandemia, pois é uma profissão sucateada pela maioria das escolas, que não pagam nem o transporte e nem o almoço para o professor.
A situação dos professores de canto já não era fácil antes da pandemia, pois é uma profissão sucateada pela maioria das escolas, que não pagam nem o transporte e nem o almoço para o professor. Após a pandemia a situação continuou a mesma, só que agora com riscos de morte, hehe. Quantas vezes não me perguntei se realmente valia a pena arriscar a mim e a minha família pra ganhar, por aula, menos que um lanche do Subway enquanto o aluno deixava fortunas para a escola, que arriscava minha vida como se ela fosse algo pouco significante. Principalmente após ver relatos de amigos próximos que, após contraírem a doença dando aulas nessas escolas, tiveram que continuar dando aulas mesmo assim (online) para receber algum valor no fim do mês (pois elas, as escolas, não iriam paga-los caso ficassem em repouso se recuperando da doença - que foi contraída provavelmente por culpa da própria escola).
Depoimento anônimo de uma professora que dá aula numa rede famosa de escola de música:
"Me pediram pra dar aulas presenciais durante a pandemia, com as tais "medidas de segurança". Eu tive o Coronavírus mesmo assim e, mesmo com atestado, eu dei as aulas online pela escola. Caso eu não desse as aulas, eu não receberia. Mesmo com atestado médico, só recebemos por aula dada. Hoje, com onda roxa na cidade, alguns alunos decidiram não ter aula online. O número de alunos reduziu cerca de 50% e eu só recebo pelos alunos que decidirem fazer aula online".
É sempre importante comentar sobre certas injustiças, porém, como o foco do artigo é outro, vamos voltar. hehe
Em 2020 já foi publicado que cantores estavam associados a um alto potencial de transmissão do vírus (Exhaled respiratory particles during singing and talking - 2020). Foi visto também que a emissão das partículas aumentava de acordo com o aumento de volume. Sabemos que cantores possuem, em sua maioria, volumes muito mais altos de voz por conta de níveis muito maiores de pressão subglótica.
Em diversos experimentos foi visto que, mesmo com distâncias de 1.4 metros ou mais, houve uma grande dispersão do vírus em todas as direções. Estudos anteriores mostraram que as máscaras, em situações de fala e conversação, reduziam bastante a emissão de partículas entre indivíduos, apesar de existirem diferentes tipos e categorias de máscaras com diferentes tipos de eficácia. Isso foi suficiente para que cantores se arriscassem cantando usando alguma delas, mesmo com elas prejudicando grandemente o som e sem sabermos se elas são eficazes, de fato.
Lembre: As máscaras são feitas para situações de silêncio. Elas permitem que você responda alguém, em baixo volume, sem espalhar o vírus, mas elas são feitas para o silêncio. Cantar com uma dessas máscaras fica meio óbvio, pra qualquer um que experimentar, que não funciona. Quem já esteve em uma UTI sabe como lá é um local silencioso.
O teste foi feito com cantores profissionais que exerciam o canto coral em tempo integral. Eles cantaram um trecho da nona sinfonia de L. W. Beethoven. O estúdio usado era ventilado a cada nova etapa para limpar todos os resquícios da etapa anterior. E o que foi visto no experimento?
- Consoantes e Vogais:
- Todos os participantes tiveram de emitir as consoantes /p/, /t/, /k/, /ʃ/ e em seguida as vogais /a/, /e/, /i/, /o/, /u/.
- As consoantes surtiram efeitos sobre a dispersão de partículas por conta das suas características plosivas e fricativas.
- A distância percorrida pelas partículas foi menor durante as consoantes do que com vogais.
- O tempo 0, no gráfico, representa o momento em que os participantes pararam de fazer sons.
- Mesmo após parar de cantar, a nuvem de vapor continuou se distanciando para todos os participantes (isso aconteceu em todas as etapas do processo).
- Articulação exagerada:
- Os participantes tiveram então de cantar o trecho da música de três formas: Com articulação super exagerada do texto, depois com articulação "normal" e depois cantar a melodia com uma única vogal, sem consoantes.
- A distância da nuvem de fumaça foi maior de acordo com a intensidade das consoantes. Exagerar o texto fez com que a fumaça fosse mais longe do que cantar normalmente e também fazer com apenas uma vogal.
- Foi apontado também que articular o texto fazia a máscara mexer de lugar a cada nova palavra e isso aumentava o escape de partículas.
- Posição da cabeça:
- Um dos participantes cantou o trecho da música com diferentes posições e ângulos de cabeça (olhando pra baixo, pra frente e pra cima).
- Cantar olhando para baixo foi o ângulo que menos dispersou a nuvem de fumaça.
- Distâncias de "Segurança":
- A: Eles agora então cantaram a frase “Freude, schöner Götterfunken, Tochter aus Elysium”, da nona sinfonia, um de frente para o outro por 3 minutos, numa distância de 3 metros um do outro (distância muito maior do que muitos lugares usam como protocolo de segurança).
- B: O mesmo experimento foi feito por 1 minuto e 40 segundos numa distância menor, de 2.6 metros um do outro (ainda maior do que muitas instituições de ensino de música usaram como protocolo de segurança).
- Neste experimento, em 3 metros de distância, a nuvem não entrou no espaço do outro.
- Porém, a 2.6m de distância a nuvem de fumaça chegou na boca do outro cantor após 1:30 minutos cantando.
- Em seguida ambos cantaram simulando as cadeiras de um coro, com 1.5m de distância e uma diferença de 45cm de altura.
- Essa foto foi tirada após 50 segundos cantando.
- 13 segundos após parar de cantar, as duas nuvens de fumaça se misturaram uma na outra, envolvendo os dois cantores.
- O estudo também concluiu e afirmou que o menor impulso de ar já é suficiente para movimentar a nuvem de fumaça de um lugar para o outro, mesmo após ter parado de cantar.
- Diferentes tipos de máscaras:
- As máscaras são os itens mais usados durante a pandemia. Elas impedem, em situações normais de fala, as partículas de saliva de se espalharem pelo ar em grandes quantidades. Isso levou muitos cantores e escolas de música a manterem as atividades presenciais, desde que houvesse o uso das máscaras. A máscara cirúrgica foi adotada pela maioria dos cantores por ser a mais confortável e não barrar muito o som. Mas... Será que realmente funciona para contem o vírus?
- 3 tipos de máscara foram testados: (A) Máscara cirúrgica, (B) FFP2 (semelhante a n95, bico de pato) e (C) uma máscara de pano comum.
- Apesar de a disseminação da nuvem de fumaça ter sido menor com as máscaras, nenhuma delas impediu que elas fossem espalhadas pela sala.
- A máscara mais efetiva foi a FFP2, apesar de não ter barrado a fumaça.
- A máscara cirúrgica teve um desempenho desastroso porque ela tem muito mais frestas que as outras máscaras.
- Face Shield:
- Os efeitos do Face Shield também foram investigados
- O Face Shield bloqueou a nuvem inicialmente, porém, em menos de 4 segundos ela se dispersou por toda a região em volta.
- O estudo concluiu que máscaras e Face Shields não são suficientes para bloquear a dispersão das partículas contaminadas.
- Parede de acrílico e parede de partituras:
- Uma parede de acrílico pode ser uma barreira de proteção, assim como segurar as partituras na frente da face. É muito comum vermos uma nas mesas de restaurantes. Isso também foi investigado.
- Como todos aqui já estavam imaginando, segurar a partitura na frente da boca não conteve a nuvem de fumaça, nem o acrílico.
- Apesar disso, o acrílico conseguiu segurar por mais tempo uma maior quantidade. Porém, devido ao alto nível de pressão subglótica e a duração de uma música ser constante, a fumaça acabou se espalhando pelo ambiente.
Muitíssimo grata por esse artigo, que de suma importância nesses tempos. Estou compartilhando não apenas com os envolvidos com aulas de Canto, mas também para professores de música diversos, como os de instrumento de sopro.
ResponderExcluirDe fato não diz respeito só ao canto, sopro, atores e provavelmente até outros ambientes de trabalho em que as pessoas precisam falar mais forte ou gritam muito em ambiente fechado.
ExcluirMuito agradecida pela informação, vou divulgar muito no meio do canto coral.
ResponderExcluirMuito grata pela matéria! Informações importantes! Compartilhei!
ResponderExcluirMuitooooooooooooooo Grato pelo compartilhamento
ResponderExcluirGratidão
Gratidão pelas informações pontuadas, divulgarei !
ResponderExcluirEste é um Importante estudo que deve divulgado entre os cantores do coro. Em especial num encontro virtual específico com o intuito de reduzir o grau de ansiedade que predomina nos diversos coros onde é imensa a vontade de estar juntos e sentir a música fluindo por entre os naipes.
ResponderExcluirAdmirei muito o conteúdo desse estudo e as evidências objetivas da pesquisa.
Parabens.
Gostei demais desse conteúdo! Parabéns!!!
ResponderExcluirGostei demais desse conteúdo!
ResponderExcluirExcelente matéria. Parabéns! Obrigada por divulgar esse estudo. Vou compartilhar no canto coral a que pertenço.
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