Agradecimentos à fonoaudióloga Camila Loiola por me colocar em contato com a pesquisa da Dra. Joana Mariz de Sousa, Marta Assumpção de Andrada e Silva e Léslie Piccolotto Ferreira, que deram origem, e embasamento, ao texto a seguir.
“Jogar a voz no topo da cabeça”, “colocar o som na máscara”, “focar a voz em um raio”, “sentir a vibração”, “sentir o som saindo pela testa”, etc. Quem nunca ouviu frases desses tipos em aulas de canto?
Por séculos (no século XV surgiram os primeiros tratados sobre o canto) o ensino vocal foi baseado em imagens e metáforas como as citadas acima, o cantor que obtinha sucesso pegava suas sensações e ideias e transmitiam para os alunos, que, se bem sucedidos, passariam essa experiência para seus futuros alunos. Desta forma surgiram gênios do canto ao longo dos séculos. Pessoas que entendiam as metáforas e absorviam as experiências do professor e seus exemplos (a eulalia, quando o aluno canta copiando o professor, sempre foi muito comum), reproduzindo o canto de uma forma magistral, esses eram consideradas talentosas, tinham o "dom de cantar", e fizeram grande sucesso.
Até então, quem não tinha o “dom”, não servia para cantar, deveria procurar outra coisa pra fazer, e os professores nem queriam dar aulas pra quem não tivesse essa “facilidade em aprender”, pois consideravam "tempo perdido", e ainda hoje, alunos chegam a meu estúdio perguntando se "tem jeito ?".
Na segunda metade do século XX, com o aperfeiçoamento da tecnologia e da ciência vocal, pesquisadores começaram a compreender mais precisamente como a voz é produzida, descobriram uma série de fatores relacionados ao canto, muitos ainda polêmicas, e continuam estudando, e assim as metáforas começaram a ser traduzidas, e a “facilidade” começou a ser considerada menos vital, já que com instruções mais práticas, e conhecendo a função de cada uma delas, foi possível ver o desenvolvimento de cantores que trocaram o talento pelo treino e dedicação. Infelizmente essa não é a regra e não há consenso, não são todos os professores que estudam e entendem a voz para dar aulas, boa parte ainda se utiliza da percepção, do som que gira, que vai e vem, e busca por "talentos".
Em um outro tópico falarei das pessoas que acham que a aula de canto é uma enganação, e vejo muitas pessoas achando isso, ainda mais quando já tocam algum outro instrumento, e isso se deve ao fato de que, para tocar guitarra, bateria, violino, gaita de fole, etc. Ele não vai precisar pensar em imagens abstratas ou utilizar a imaginação para extrair o som que deseja, apenas conhecimento do instrumento e treino para desenvolver a técnica. Alguns diriam que “o instrumento voz não é visível e deve ser imaginado apenas”, ele não é visível por fora, em grande parte, mas está lá e pode ser sentido e ouvido, ele existe tanto quando uma harpa ou baixo, apenas deve ser trabalhado dentro do corpo.
E se alguém pedir para “cantar como em uma catedral”? O que vem à cabeça? - Eco? Alegria no domingo com a família? Exaltação e louvor? Tédio? Luto? Casamento? Divórcio? - Cada indivíduo é único e tem suas próprias experiências e história, uma imagem nunca será a mesma para duas pessoas.
“Imagine que está na praia e deixe a voz fluir com as ondas”, bonito, não é? Calmo e pacífico talvez? E quem só viu a praia no carnaval ou ano novo? E quem quase se afogou no mar? Talvez não tão doce saia esse som.
“Cante como o voo de uma borboleta” Um grande amigo meu tem FOBIA a borboletas, ele não gostaria dessa.
O que se vê muito ainda hoje é o professor dando o exemplo para o aluno que tenta copiar, e quando consegue é incentivado a seguir fazendo desta maneira, não como é melhor pra ele, mas como é feito pelo professor, sem respeitar as diferenças de cada um e sem saber o que, ou por que, está fazendo, apenas segue as orientações e espera dar certo no final.Muitas vezes ele consegue reproduzir nomomento, mas depois não mais.
O artigo mencionado no começo segue dizendo que essa forma de ensino por sensações se deve ao fato de uma confusão entre fonte sonora e ressonância. Muitos ainda utilizam os termos voz de peito e voz de cabeça relacionando com uma vibração da voz no peito ou na cabeça, e agora cito o texto.
“Autores relatam que o termo ressonância tem realmente causado muita confusão no ensino de canto. O cantor tende a confundir a fonte sonora com a sensação que o som da voz cantada pode causar em diferentes partes da cabeça. Sem dúvida uma dada sensação corporal despertada pela voz possui um ajuste fonatório correlato, que causa a amplificação de determinadas frequências sonoras em detrimento de outras. Porém, isso não quer dizer, por exemplo, que tal sensação venha da circulação real do ar pelos ressonadores ou que o som esteja de fato “girando” pelas cavidades da cabeça antes de sair pela boca, como descreve uma das imagens mais comumente encontradas no ensino do canto.
As sensações vibratórias causadas pela voz poderiam ser a fonte da maior parte de explicações para o surgimento de metáforas como “cantar na máscara” ou “colocar a voz na testa, no pescoço ou no nariz”. Para que essas sensações tivessem real utilização pedagógica e pudessem ser referência para a obtenção de uma impostação vocal saudável e eficiente, seria necessário que elas não variassem conforme o sujeito, a altura do som ou a mudança de vogais. Porém não é o que se observa na prática. Qualquer som suficientemente intenso quando propagado em um ambiente enclausurado causa vibrações nas paredes desse ambiente, seja ele saudável ou não, e essa seria a real causa para as vibrações no crânio, no pescoço e no peito dos cantores.”
Essa busca pela ressonância, sentir o som aqui e ali não traz necessariamente um ganho para o cantor, pelo contrário, ele pode encontrar a sensação que ele imagina que seja a que o professor diz de uma forma tensa e prejudicial a sua voz, porém, que agrade ao que lhe foi dito para fazer.
O texto ainda diz que o uso de imagens pode estimular a criatividade e o lado subjetivo do canto, como arte, potencializando o aprendizado do canto, mas deve estar sempre ligado a fisiologia, ao funcionamento muscular, deve sempre ter uma razão concreta de ser, e deve, principalmente, ser bem entendido e interpretado pelo aluno, evitando que a boa intenção se torne prejudicial.
Gosto de metáforas quando são criadas pelo próprio aluno, essas chegam cheias de significados reais e sensações pessoais, que eu jamais poderia imbutir neles, mas que servem de gatilhos para atingir ajustes desejados, são como frases que eles criam que resumem toda uma estrutura armada para cantar de determinada forma, e quando é feito assim, funciona bastante.
Assunto polêmico, que causa discussões intermináveis mas necessário para a evolução da arte e da pedagogia vocal.
Concordo com a visão expressa no texto. Sempre reflito sobre a forma que eu expresso a teoria da voz, instruindo uma pessoa, e também das metáforas que tenho que usar didaticamente. Claro, com a consciência que se não tenho o basamento científico para o que estou falando, é teoria furada, pode ser até boa "no momento", ter efeito, mas é furada. Basamento científico nessa perspectiva é tudo e quebra definitivamente todas essas ideologias que muitos insistem em pensar que "Não tem voz pra cantar". Com a base da ciência voz temos a certeza que em cada voz pode-se explorar várias possibilidade de fonação.
ResponderExcluirCaramba! Curti demais a abordagem sobre acústica vocal e os ressoados! Me levou a pensar muito! Top man.
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